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  • Juliana Pereira

Gênero, raça e classe nas artes visuais: O empoderamento da linguagem negro-brasileira

Atualizado: 13 de mai. de 2021


Da Série Sapatos de açúcar, Tiago Sant'ana. 2019

O sistema de artes estabelece normas para diferenciar o que é e o que apenas se aproxima de um trabalho de arte legítimo. Para tal, são criadas tecnologias e metodologias na intenção de inventar critérios de definição. A fixação de outras nomenclaturas e a criação de termos que denotam exclusão, como artefato, artesanato, popular, primitivo, naif, arte identitária, etc, é uma das formas de marcar esse limite. Acredito inclusive, que a suposta “crise da arte” está diretamente ligada ao fato de que, para a arte contemporânea, o belo (universal) deixa de ser um atributo fundamental, dando margem para que outras linguagens, não hegemônicas, reivindiquem seu espaço nesse sistema de forma horizontal. Categorizar os objetos artísticos de pessoas negras e não-brancas como arte identitária gera dúvidas quanto à adequação desse termo, já que nem toda/o artista racializada/o está interessada/o em soluções estéticas ligadas aos seus grupos étnicos, mesmo que esta/e defenda um discurso racial como uma estratégia de enfrentamento às barreiras impostas pelo próprio campo.


Uma pesquisa divulgada pelo Projeto Rumos de 2017 (1), dentre outros dados, como o gênero, a raça e a nacionalidade das/os artistas mais estudadas/os nos cursos de graduação em artes no Brasil, conclui que não existe diferença formal entre a arte identificada como primitiva e a arte tratada como contemporânea, tornando esta atribuição sem sentido. Portanto, as classificações a que estão sujeitos os objeto de arte produzidos por pessoas negras na contemporaneidade, tem origem em um discurso de ordem biológica, que tende a agrupá-los em blocos onde a cor da pele é o indicativo principal, mais relevante do que a escolha estética, a linguagem e a narrativa de cada uma/um. Neste caso, qualquer tentativa de definição que contemple toda a produção negra contemporânea está fadada a fracassar.


Contudo, ao mesmo tempo em que o sistema hegemônico entra em colapso e o campo da arte apressa-se em decretar seu próprio fim, por conta do desgaste do seu respectivo centro, observamos uma emergência significativa das narrativas negro (ou afro) centradas. Em um contexto local, teria o Brasil uma imensa vantagem nessa valorização, já que somos o país com a maior população negra do mundo fora da África (cerca de 55% da população). É importante frisar que, a linguagem negro-brasileira a que me refiro, é parte de uma produção de discurso, e não de uma condição étnica, tendo em vista a grande variedade de temas e formas exploradas por artistas racializadas/os na contemporaneidade.


A conquista de uma linguagem produzida por pessoas pertencentes à uma identidade racial, que apesar de abranger a maior parcela da população brasileira, faz parte de uma classe historicamente preterida, já que no Brasil “raça é uma fundamental categoria de classe” (ASANTE apud NASCIMENTO, 2019, p. 38), significa um grande avanço sócio-educativo com potencial de elevar o moral de todo um corpo social. O apagamento sistemático das epistemologias e da intelectualidade de pessoas negras, nega aos membros dessa comunidade o privilégio de ver-se verdadeiramente representada/o, não só apenas através de um conjunto de imagens de controle (COLLINS, 2019, p.135), em uma posição de inferiorização, martírio ou sofrimento, mas em uma configuração de empoderamento, de criação de discurso, de norma e estética. Portanto, mapear, criar análises, construir vocabulário que respeite a pluralidade dessas subjetividades e historiografar artistas desse recorte se faz necessário e urgente, sobretudo para as mulheres desse contexto que sofrem dupla opressão, de raça e de gênero.


(1) MORESCHI, Bruno. A história da arte. Tabelas no formato excel, panfletos (13 mil cópias em português / 2 mil em inglês) e um website. Prêmio Rumos Itaú Cultural e apoio Goethe Institut São Paulo. 2017. Disponível em:<http://historyof-rt.org/>.



Referências bibliográficas:

  1. BERTH, Joice. Empoderamento. Coleção Feminismos Plurais. Djamila Ribeiro (coord) . São Paulo. Pólen, 2019.

  2. COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro: Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. 1. ed. São Paulo. Boitempo, 2019.

  3. HOOKS, bell. Olhares Negros: raça e representação. Tradução de Stephanie Borges. 1. ed. São Paulo. Editora Elefante, 2019.

  4. MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Tradução de Sebastião Nascimento. 3. ed. São Paulo. n-1 edições, 2018.

  5. NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan-Africanista. 3. ed. rev. São Paulo. Editora Perspectiva. Rio de Janeiro. Ipeafro, 2019.

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