Roupa como um objeto de arte: Rei Kawakubo /Comme des Garçons
- blogppghauerj
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Figuras 1: Rei Kawakubo (Japanese, born 1942) for Comme des Garçons (Japanese, founded 1969). Body Meets Dress – Dress Meets Body, spring/summer 1997; Courtesy of Comme des Garçons. Photography by Paolo Roversi. Fonte: <https://www.metmuseum.org/exhibitions/listings/2017/rei-kawakubo/select images>
Durante o mês de Maio de 2017, um dos mais importantes museus de arte dos Estados Unidos, o Metropolitan Museum of Art (MET), abria suas portas para apresentar a exposição ‘Rei Kawakubo / Comme des Garçons – Art of the In-Between’, um tributo ainda em vida a obra da estilista japonesa que ganhou o ocidente com suas peças irreverentes, disruptivas, transgressoras e artísticas desde a década de 1980.
Em um ambiente pensado exclusivamente para destacar suas peças, a exibição levou o público a entender sua história e evolução como criadora de moda, além de estimular, inspirar e despertar o interesse de diversas pessoas por sua obra e, por consequência, apresentando a roupa como um objeto artístico.
Fundadora e diretora criativa da marca Comme des Garçons, Kawakubo, nascida em 1942 em Tóquio, é uma visionária quando se trata da construção e manipulação da roupa. No início da década de 1980 ganhou Paris ao lado de seus conterrâneos, amigos e também estilistas Yohji Yamamoto e Issey Miyake, trazendo um outro tipo de ideia do que a moda poderia oferecer ao seu público, mostrando que a roupa poderia assumir um status além daquele de cobrir os corpos. Existia ali uma arte inexplorada até o momento.
Reservada sobre sua vida pessoal, Kawakubo não se considera uma artista. Mesmo não enxergando suas roupas como obras artísticas, se viu no meio da discussão sobre a moda como uma forma de arte, com suas peças encabeçando esse debate. Em uma entrevista ao curador Andrew Bolton concedida em 2017 durante a estadia da exibição no MET, Kawakubo explica que entende que suas peças avant-garde a enquadram em uma categoria que esbarra na arte. Suas peças brincam com a linha divisória que existe entre arte e a moda, além de pegar noções básicas de identidade, beleza e corpo e as transformar. Sua complexa construção de peças, manipulação de tecidos e uma dinâmica que vai em direção ao futuro e utilizando da poética e junções de ideias em suas criações, faz com que suas peças sejam apresentadas ao mundo como uma ruptura de padrões. Em sua própria visão, indo além de sua busca por originalidade e outros pontos que a ligam a vanguarda, Kawakubo se entende como uma Modernista, como ela mesmo coloca durante a entrevista: “I hope people come away from the exhibition thinking I am a modernist, because it’s true, I am a modernist.

Figura 2: Rei Kawakubo (Japanese, born 1942) for Comme des Garçons (Japanese, founded 1969). 18th-Century Punk, autumn/winter 2016-7; Courtesy of Comme des Garçons. Photography by Paolo Roversi. Fonte: <https://www.metmuseum.org/exhibitions/listings/2017/rei-kawakubo/select images>
É certo que moda e arte compartilham de mais similaridades do que diferenças sempre inovando, sendo vanguarda, criando tendências e bebendo da mesma fonte de inspirações. Transformar um adorno que, a priori é confeccionado para proteger nossos corpos, e depois, delimitar, de certa forma, nosso comportamento e status, nos faz refletir novamente sobre o qual o limite do que pode ser arte. Com isso as peças de Kawakubo que visam uma combinação do abstrato e seus medos, esperanças e dúvidas, acabam criando uma ponte sólida que liga moda e arte, providenciando um ambiente que proporciona um espaço de experimento e hibridização.
Existe em suas peças um encontro entre as cultura ocidentais e as orientais, como se a estilista extraísse de cada uma a inspiração necessária e depois de degustar, regurgitar-se algo novo. Talvez o que ela faça nada mais seja do que uma antropofagia artística, afinal, ela assimila ambas as culturas para então entregar algo único. A moda vanguardista de Kawakubo, traz consigo um peso que contrabalança entre ser chamado de Moderno, Pós-Moderno e Iconoclasta, suas peças se encontram tão fora do padrão exigido pela sociedade, que para os críticos é difícil defini-la. Sua relação com o corpo, a roupa, a imperfeição, a assimetria, os erros conscientes e a forma como maneja seus materiais, fazem de suas peças algo a mais do que simples roupas. Sua visão nada tradicional das indumentárias ocidentais, adicionada ao entendimento de sua cultura, transformam suas peças em obras sem precedentes que atraem a atenção do público. Fosse para o desconforto visual ou não, mas não se pode negar que Comme Des Garçons, desde 1982 quando se abriu para o mundo, veio quebrando as barreiras (mesmo que intencionalmente) entre moda e arte.

Figura 3: Rei Kawakubo (Japanese, born 1942) for Comme des Garçons (Japanese,founded 1969). The Infinity of Tailoring, autumn/winter 2013-14; Courtesy of Comme des Garçons. Photography by Collier Schorr. Fonte: <https://www.metmuseum.org/exhibitions/listings/2017/rei-kawakubo/select images>
Com peças que são obras de artes que transitam entre os dois mundos, Comme des Garçons por Kawakubo, nos fornece uma visão dessa vertente da arte que a moda em sua forma artística e conceitual estabelece, um trabalho que interfere nas formas, não só do corpo, como também no espaço que ocupa, a indumentária artística vai usufruir também de diversos materiais, os alterando e os transformando para se adequar ao processo criativo pelo qual o estilista vai passar. Kawakubo em sua criação visa uma exploração quase que absoluta do seu entorno, seu conhecimento e da exploração de sua criatividade, fazendo a sua rebelião contra a estética e a forma tradicional e assim transformando sua moda em arte.
BIBLIOGRAFIA
SVENDSEN, Lars. Moda: Uma Filosofia. Jorge Zahar Editora Ltda. Rio de Janeiro, 2010.
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo, Companhia das Letras, 2009.
BOLTON, Andrew. Rei Kawakubo Comme des Garçons: Art of the In-Between. The Metropolitan Museum of Art, New York, 2017.
DIAS, Camila Carmona. Moda, Arte e História: um encontro na obra da estilista Rei Kawakubo. Editora CRV Ltda, 2021.
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